terça-feira, fevereiro 20, 2007

ENSAIO NO FEMININO


Porque achei interessante, apeteceu-me partilhar convosco um breve trecho dum romance de Faíza Hayat, intitulado "O Evangelho segundo a serpente", e quem sabe, nós, as mulheres, tiremos dele uma pequenina lição...
.
A minha mãe era um ser livre. Uma ave à solta num alto céu de verão. Costumava dizer que os homens são como as chuvas, imprescindíveis à vida, revigorantes, mas quando chegam, e em se demorando um pouco mais, logo sentimos saudades dos dias de sol.
"Reparem", dizia, " a palavra solidão está cheia de sol!"
Gostava de citar Marguerite Duras: "Não se encontra a solidão. Somos nós que a construímos." Citava Pablo Picasso: "Nada pode ser feito sem a solidão. Eu mesmo criei para mim uma solidão da qual ninguém suspeita." Citava Tchekov: "Se tens medo da solidão então não te cases." Citava Fernando Pessoa, aliás, Bernardo Soares: "As mal casadas são todas as mulheres casadas e algumas solteiras."
Estou hoje um pouco melancólica, bem sei. Mas reparem, repara tu também, Filipa, onde quer que estejas, que assim como há sol na palavra solidão, há mel na palavra melancolia.Tanto mel. Os homens, minha querida mãe, ao menos aqueles que tenho conhecido, não cultivam a memória. Ao contrário, exercitam o esquecimento. Há vantagens nisto, sabes? Os homens sempre me pareceram muito menos rancorosos do que as mulheres. O rancor exige uma boa memória. Um homem que nunca sabe onde guardou a chave de casa, os óculos ou o telemóvel, e são quase todos, deve ter também alguma dificuldade em guardar rancores. Acho que é por isso que, de uma forma geral, os homens envelhecem menos rapidamente do que nós. O rancor provoca rugas. Tira brilho ao cabelo. Torna as unhas quebradiças. A longo prazo, mata. Se bem que a longo prazo tudo mata.
Devíamos periodicamente recorrer a uma espécie de cerimónia do olvido, como quem vai à sauna, para limpar a alma das lembranças más. O amor e o rancor são difíceis de conciliar. Guardar um e outro no coração, e esperar que resulte, é como encerrar muma mesma jaula um leão e um cordeiro, e esperar que o cordeiro submeta o leão. O pior é que depois que tudo termina os homens partem felizes e desmemoriados, e nós ficamos sozinhas com o lume amargo do nosso rancor.

12 comentários:

Isabel Filipe disse...

um belo texto ... maravilhoso mesmo...

guardar rancores não nos leva a nada ... há que tentar ter a capacidade de os atirar para trás das costas ... guardá-los na gaveta das indiferenças ....


bom fim de semana
bjs

Cusco disse...

Esse texto é muito bonito. Concordo com umas partes do mesmo e com outras nem tanto assim.
Mas como texto mesmo, está muito bem concebido.
Um bom-fim-semana e até breve
SE DEUS QUISER

Cristina disse...

...e um texto maravilhoso, obrigada por compartilhares connosco!
Tem um bom fim de semana,
beijinhus
:)

Miguel disse...

Um texto muito curioso ...!

Um BOM FDS!
Bjks da Matilde e Cª!

PS: Obrigado pela visita ...!

Anónimo disse...

Lindo post a fazer lembrar um Rio de 3 suaves desabafos: Solidão - Melancolia - Esquecimento

Rio da solidão
Viver sozinho mas bem acompanhado é preferível a viver sozinho mas mal acompanhado.
Mas nunca, jamais, em tempo algum, procurar a companhia de um cachorro ou de um gato.

Ai solidão solidão
ai ai ai ai
................

Rio da Melancolia

Ah quanta melancolia!
Quanta, quanta solidão!
Aquela alma, que vazia,
Que sinto inútil e fria
Dentro do meu coração!


Fernando Pessoa

A Melancolia é a porta de entrada da tristeza.
A imaginação voa e nós perdemo-nos nas lembranças que nos empurram para a tristeza.
Sublimemos e procuremos as lembranças que nos fazem sorrir!!!

E finalmente o Rio do Esquecimento
.. e depois que tudo termina, as mulheres partem felizes para outra e o homem fica sozinho, triste e melancólico...

Moiro do Barlavento

Isa e Luis disse...

Não será também uma pequena lição para os homens?
Um beijo
Luis

o alquimista disse...

Belissimo texto, obrigado pela partilha...aprendi mais umas coisas...


Doce beijo

Maré Viva disse...

Olá Moiro.
Interessante esse Rio de que falas e é composto por três águas...
Para viajar no da solidão, a companhia de um cachorro, amigo fiel e de olhar terno, não é de desprezar...
gostei do rio da melancolia, não fosse ele descrito por Fernando Pessoa.
Quanto ao do esquecimento: homens melacólicos, tristes e sózinhos?...diz-me por onde corre esse rio, que vou lá só para verificar a veracidade das tuas palavras...
Um beijo!

cacharel disse...

Belo texto. Obrigada pela partilha e pelas palavras.

O rancor existe infelizmente e não concilia com a paz e o amor. Sentimento negativo que penetra tanto na mulher como no homem... depende tudo da natureza de cada um.

Jinho doce e perfumado*

Anónimo disse...

Olá, Baby!
Bonito texto, sem dúvida!
Saibamos retirar ensinamentos que o mesmo proporciona.

Embora, tenha a certeza de que no teu caso em particular, a solidão, o rancor e a melancolia, são sentimentos que não cultivas!

Como sempre, um grande beijinho!

o alquimista disse...

Nesta noite cai do céu a magia em gotas de diamante...cada gota aprisiona um querer, um sortilégio de luz...

Doce beijo

Cristina disse...

Uma boa semana para ti
:)
beijinhu

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