domingo, dezembro 13, 2009

E JESUS PERGUNTOU




Mulheres atarefadas
Tratam do bacalhau
Do perú, das rabanadas.
.
-Não esqueças o colorau,
O azeite e o bolo-rei!
.
-Está bem, eu sei.
-E as garrafas de vinho?
.
-Já vão a caminho!
.
-Oh mãe, estou pra ver
Que prendas vou ter.
Que prendas terei?
.
-Não sei, não sei...
.
Num qualquer lado,
Esquecido, abandonado,
O Deus -Menino
Murmura baixinho:
.
-Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
.
Senta-se a família à volta da mesa.
Não há sinal da cruz
Nem oração ou reza.
.
Tilintam copos e talheres.
Crianças, homens e mulheres
Em eufórico ambiente.
Lá fora tão frio
Cá dentro tão quente!
.
Algures, esquecido
Ouve-se Jesus dorido:
-Então e Eu?
Toda a gente Me esqueceu?
.
Rasgam-se os embrulhos,
Admiram-se as prendas,
Aumentam os barulhos
Com mais oferendas.
Amontoam-se sacos e papéis
Sem regras sem leis.
E Cristo-Menino
-A fazer beicinho:
Toda a gente Me esqueceu
Foi a festa do Meu Natal
E do princípio ao fim
Quem se lembrou de Mim?
Não tive tecto nem afecto!
.
Em tudo, tudo, eu medito
E pergunto, no fechar da luz:
-Foi este o Natal de Jesus?

João Coelho dos Santos
in Lágrima do mar.

sexta-feira, dezembro 04, 2009

CREPÚSCULO


Também este crepúsculo nós perdemos.
Ninguém nos viu hoje à tarde de mãos dadas
enquanto a noite azul caía sobre o mundo.
.
Olhei da minha janela
a festa do poente nas encostas ao longe.
.
Às vezes como uma moeda
acendia-se um pedaço de sol nas minhas mãos.
.
Eu recordava-te com a alma apertada
por essa tristeza que tu me conheces.
.
Onde estavas então?
Entre que gente?
Dizendo que palavras?
Porque vem até mim todo o amor de repente
quando me sinto triste e te sinto tão longe?
.
Caiu o livro em que sempre pegamos ao crepúsculo,
e como um cão ferido rodou a minha capa aos pés.
.
Sempre, sempre te afastas pela tarde
para onde o crepúsculo corre apagando estátuas.

Pablo Neruda
in Vinte Poemas de Amor
e
Uma Canção Desesperada

Foto encontrada na net

quarta-feira, novembro 25, 2009

PALAVRAS, PALAVRAS


Ao longo da muralha que habitamos
Há palavras de vida há palavras de morte
Há palavras imensas, que esperam por nós
E outras frágeis, que deixaram de esperar
Há palavras acesas como barcos
E há palavras homens, palavras que guardam
O seu segredo e a sua posição
.
Entre nós e as palavras, surdamente,
As mãos e as paredes de Elsenor
.
E há palavras e nocturnas palavras gemidos
Palavras que nos sobem ilegíveis À boca
Palavras diamantes palavras nunca escritas
Palavras impossíveis de escrever
Por não termos connosco cordas de violinos
Nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
E os braços dos amantes escrevem muito alto
Muito além da azul onde oxidados morrem
Palavras maternais só sombra só soluço
Só espasmos só amor só solidão desfeita
.
Entre nós e as palavras, os emparedados
E entre nós e as palavras, o nosso dever falar.


Mário Cesariny


Foto encontrada na net

quarta-feira, novembro 18, 2009

DESALENTO


Eu faço versos como quem chora
De desalento...de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa...remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
.
-Eu faço versos como quem morre.

Manuel Bandeira

sexta-feira, novembro 06, 2009

SEM DESCOBRIRMOS A COR


Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
Se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.



Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda.
Maria Teresa Horta

Foto encontrada na net

segunda-feira, outubro 26, 2009

À FLOR DE UM VIDRO


O tempo passa à flor dum vidro
transparente de angústias, de alegrias,
desfeito em silêncios, em ausências.
.
Só nos sustenta a frescura lhana
das manhãs, a brisa apolínea dos estios,
porque buscamos a nudez, a despojada luz
o sonho rupestre persistente das origens.

Vieira Calado
Imagem encontrada em: timblindim.wordpress.com

segunda-feira, outubro 19, 2009

NADA SE PERDE VERDADEIRAMENTE

"...E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente.
Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros.
Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram.
Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."
Miguel Sousa Tavares

sábado, outubro 10, 2009

ENCONTRO COM A VIDA



Este é o tempo de desatar os nós
Soltar as pontas já rasgadas
No uso repetido de tantas despedidas.

É o tempo de esvaziar os olhos
Da imagem de outros olhos
E das coisas que eles viram para lá das permitidas

É tempo de emudecer as palavras
Para que não escute
Sequer o som da minha voz

De esvaziar a cabeça de memórias
Dos tempos feitos de demoras
E das conversas caladas entre nós

Deixar que a mente assim liberta
Possa enfim traçar o rumo de outra estória
Onde o novo se encontre com a vida.
Imagem tirada da net.

sexta-feira, outubro 02, 2009

ERROS


Passei a vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar.
Clarice Lispector


Imagem tirada daqui http://nusingular.blogspot.com/2005_10_01_archive.html



terça-feira, setembro 22, 2009

CAMINHOS


Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!

Fernando Pessoa
Imagem da net

domingo, setembro 13, 2009

SOL ARDENTE



Por onde
a dor da tua ausência,
a mudez dos silêncios
o eco surdo das palavras
desfeitas na garganta?
.
Hoje
a plenitude de um sol ardente
que me dourava a pele e os sonhos
uma brisa leve,
tão leve como seda pura
.
E a música que escorria lenta
e se transformava em ondas
abrindo atalhos no meu peito
tão perfeitos e profundos
que o mar, ali tão perto,
me fez água
.
E com ele murmurei OHMMMMM...
Imagem da net

quinta-feira, setembro 03, 2009

PALAVRAS INTERDITAS

As palavras que te envio são interditas

As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.
Eugénio de Andrade

Imagem da net

terça-feira, agosto 25, 2009

PENSAMENTOS

Timidez
Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...
- mas só esse eu não farei.
Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...
- palavra que não direi.
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,
- que amargamente inventei.
E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...
e um dia me acabarei.
Cecília Meireles
Foto tirada da net

quarta-feira, agosto 12, 2009

FLORESTA DE PALAVRAS

Quando desembarquei da minha viagem sem destino certo, deparei com um lugar sem nome, onde o ar era de tal modo rarefeito que me sufocava lentamente e o céu tinha uma cor indefenida
que aos poucos se ia tornando cor de sangue, o mesmo sangue que do meu coração vazava, ferido pelas dores que dia após dia eu sofria, enquanto ia perdendo um ente muito querido.
Agora quero que o meu pensamento se liberte e voe alto, muito alto, se inunde de beleza e tranquilidade e depois mergulhe em voo picado numa floresta densa, feita de pavras.

"Entrei pelas palavras como quem entra numa floresta densa à procura de espécies raras;
escolhia umas, afastava outras, mas algumas que escolhia, logo deitava fora, tão anónimas e sem carácter se mostravam depois. Às escondidas ia-as pondo juntas umas às outras, ora cruzadas, ora paralelas, como quem faz um muro e prefere umas pedras às outras para as casar conforme o volume e o ângulo delas.
Pouco a pouco fui encontrando ao acasol (ao acaso?),como numa revelação misteriosa, palavras raras, preciosas, brilhantes ou sombrias, umas ricas, outras pobres, sonoras ou mudas, mas todas intimamente ligadas por qualquer laço comum, como se entre elas houvesse uma predestinação ou qualquer liame invisível que as prendesse. E logo que as juntava ficavam tão unidas umas às outras que já não parecia mais possível desligá-las, tão estranhamente fundidas que cada uma perdia aquilo que antes a distinguia, para todas encontrarem nessa transmutação uma nova expressão, feita de sons, a princípio vagos, sussurrantes como num búzio, mas logo depois tomando formas musicais, ainda que entrecortadas e incompletas como os instrumentos que os músicos afinam antes de a orquestra começar um concerto.
Às vezes, caprichosamente, uma ou outra palavra fugia, escondia-se no grande cemitério das palavras mortas; e era preciso procurá-la, adivinhá-la, encontrá-la e pô-la no seu lugar próprio, ainda vazio, que só a ela pertencia. Era preciso procurá-la amorosamente, como o garimpeiro nas águas do rio busca a pepita refulgente. E assim, na densa floresta das palavras, pude escolher essa matéria prima a que o sonho deu a transcendência da criação da própria vida."
in Pablo La Noche - Marcello Matias
Imagem da net.

segunda-feira, julho 20, 2009

FÉRIAS


Vou de férias, só me falta descobrir até onde me levará esta ferrovia...
Sejam felizes, divirtam-se neste Verão.
Imagem tirada da net

domingo, julho 12, 2009

PERGUNTA-ME


Pergunta-me
Se ainda és o meu fogo
Se acendes ainda
O minuto de cinza
Se despertas
A ave magoada
Que se queda
Na árvore do meu sangue

Pergunta-me
Se o vento não traz nada
Se o vento tudo arrasta
Se na quietude do lago
Repousaram a fúria
E o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
Se te voltei a encontrar
De todas as vezes que me detive
Junto das pontes enevoadas
E se eras tu
Quem eu via
Na infinita dispersão do meu ser
Se eras tu
Que reunias pedaços do meu poema
Reconstruindo
A folha rasgada
Na minha mão descrente

Qualquer coisa
Pergunta-me qualquer coisa
Uma tolice
Um mistério indecifrável
Simplesmente
Para que eu saiba
Que queres ainda saber
Para que mesmo sem te responder
Saibas o que te quero dizer.


De Mia Couto-1955

sábado, julho 04, 2009

EM NOME DE

Em nome da tua ausência
Construí com loucura uma grande casa branca
E ao longo das paredes te chorei

Sophia de Mello Breyner Andresen
Imagem da net (óleo sobre tela)



quinta-feira, junho 25, 2009

VARINHA DE CONDÃO


Nem sempre foi um conto de fadas,
mas havia uma varinha de condão
que nas horas de agonia
e com um só toque,
transformava as nossas dores em poesia.
.
E as palavras de que o amor se vestia
voltavam de novo, inteiras
e como abraços,
apegavam-se a nós
como rubras trepadeiras.
.
Mas um dia,
sem qualquer explicação,
perdeste ao jogo
a milagrosa varinha de condão
e nunca mais se fez magia
nem o nosso amor
foi inspiração ou tema
para escrever qualquer poema...
Imagem da net
Desenhada à mão (lápis), por MARIANA

sexta-feira, junho 19, 2009

SILÊNCIO

SEM TI
.
E de súbito desaba o silêncio
É um silêncio sem ti,
sem álamos
sem luas
.
Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas...

Eugénio de Andrade
Foto tirada da net

terça-feira, junho 09, 2009

DIA PURO



Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
.
Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas

Sofia de Mello Breyner Andresen

Foto de Baby (Costa Vicentina)

terça-feira, junho 02, 2009

AUSÊNCIA


Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Carlos Drummond de Andrade
Fotografia tiradada da net

segunda-feira, maio 25, 2009

AS NOITES


E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
.
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
.
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.

David Mourão-Ferreira
Foto tirada net

domingo, maio 17, 2009

PLENA DE TUDO



...Que minha solidão me sirva de companhia

que eu tenha a coragem de me enfrentar

que eu saiba ficar com o nada

e mesmo assim me sentir

como se estivesse plena de tudo.

Clarice Lispector

Fotografia tirada da net

domingo, maio 10, 2009

PONTO FINAL


Deparei com um ponto final
Pequenino mas real
Bem desenhado
E nada circunstancial.
Estava lá
Cortando ao meio o dia
Olhando-me nos olhos
Sem temor
E sem qualquer pudor.
Incrédula, encarei
Mas na minha mão
Um leve tremor fazia adivinhar
Que não era total a firmeza
Com que sustentava o seu olhar.
Já passei por muitos pontos,
Alguns até com vírgulas,
Pontos de interrogação,
Mas um ponto final?
É algo que intimida,
Porque a sua precisão
Pode significar o fim
De um simples dia de Verão,
De uma valsa,
De um amor
Ou do percurso harmonioso de uma vida.

Fotografia de Aline Casassa (tirada da net)

quarta-feira, abril 29, 2009

VAGA-LUME


VAGA-LUME

Dói-me a pele
No lugar onde a saudade
Lembra o toque do teu beijo,
Dói-me a dor de te não ter,
Bem guardado
No casulo do meu peito,
Dói-me a lembrança
Que o tempo teima em manter,
Dum amor feito de lume
E de ternura vestido
Que se perdeu num queixume
Mas que teima em ocupar
O meu vazio desmedido,
Como a luz dum vaga-lume.

Fotografia de Sónia Cristina Carvalho (Olhares)

quinta-feira, abril 16, 2009

VERMELHO ALARANJADO


Naquele fim de tarde
Os ponteiros do relógio
Faziam tique tac
Arrastando as horas
E acordando as nuvens
Que se desfaziam apressadas
E se transformavam
Em poeira rutilante
Face ao brilho
Daquele azul
Que então se abria,
Cintilante.


E o meu céu,
Que de cinza me tingira
Durante longos dias
Vestira-se também
De um lindo tom azul
Salpicado de rosa
E de um leve tom alaranjado,
Que o ocaso prometia desvendar,
De forma caprichosa.


A tarde ia morrendo
E o meu coração renascia
Porque a angústia que o oprimia
Se diluía no vermelho-alaranjado
De um Sol
Que contrariado
Se escondia...


Fotografia de Baby

terça-feira, março 24, 2009

DESEJO


Queria tanto que a paz
fosse a cama em que me deito
que o amor que tu me dás
coubesse inteiro em meu peito.
.
Com esta quadra sentida, eu me despeço de todos os amigos, por um tempo. Será só uma pausa, como outras que já fiz, preciso parar, deitar fora o stress, mas vou voltar, tenho a certeza.
É natural que vos visite, me delicie com as vossas postagens e deixe o meu comentário, mas não vou assumir compromisso de fazer novos posts, até que a paz seja pelo menos a almofada em que a minha cabeça se deite...
Um abraço imenso, onde caibam todos.
Fotografia de João Bordalo Malta

domingo, março 15, 2009


Sou como você me vê.
Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania,
Depende de quando e como você me vê passar.

Clarice Lispector
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SELO
Em relação ao lindo selo oferecido pela Rebeca e Jota Cê, exibido na coluna da direita, deixo as regras do mesmo:
1) Exiba a imagem do selo que acabou de ganhar.
2) Faça o link do blog que o indicou.
3)Indique até 10 blogs da sua preferência.
.
Aqui ficam os meus:

sábado, março 07, 2009

SONHOS



SONHOS

É tempo de soltar os sonhos
Guardados com afeição
Nos escaninhos da alma
E naquele abrigo escondido
Escavado bem no fundo
Deste louco coração.

Haverá risos e lágrimas,
Momentos de adoração.
Um rio profundo, incontido,
A ponte construída à mão
Com pedras verdes de esperança
E sonhos em profusão.

Haverá rumor de beijos
Gestos feitos de paixão
Mãos escorrendo desejos
Ao buscar na escuridão
Teu corpo feito de lume,
Tua boca em ebulição.

Quando se soltar por fim
Aquele que ambos sonhámos
E onde morava a ternura,
As noites serão de prata
E os dias serão azuis,
Claros, de uma beleza pura.

Por cada sonho desfeito,
Outros asas ganharão

Serão levados pelo vento,
Mas um dia voltarão.

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

PERFUME




Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.

No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida - como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida

foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama
.
e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos,
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.

Poema de Maria do Rosário Pedreira
Foto tirada da net

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

De Cecília Meireles
LUA ADVERSA


Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.


E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

QUASE NADA



O que ficou para trás
foram meus passos perdidos,
mais nada,
de quando caminhei descalça
na areia pelo mar lavada
E pelo vento batida.
Não há rastos de pegadas
Nem memória de ais sofridos,
Só um silêncio encomendado
Feito de bocas cerradas
Por palavras nunca ditas.
O que ficou para trás?
Pedaços de vida e de mim,
Quase nada…

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

UM MERGULHO NO SILÊNCIO

O SILÊNCIO

Pego num pedaço de silêncio. Parto-o ao meio,
e vejo saírem de dentro dele as palavras que
ficaram por dizer. Umas, meto-as num frasco
com o álcool da memória, para que se
transformem num licor de remorso; outras,
guardo-as na cabeça para as dizer, um dia,
a quem me perguntar o que significam.
Mas o silêncio de onde as palavras saíram
volta a espalhar-se sobre elas. Bebo o licor
do remorso; e tiro da cabeça as outras palavras
que lá ficaram, até o ruído desaparecer, e só
o silêncio ficar, inteiro, sem nada por dentro.

De Nuno Júdice
em A Matéria do Poema

quinta-feira, janeiro 29, 2009

INQUIETAÇÃO




De Clarice Lispector

Não entendo
Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender.
Entender é sempre limitado.
Mas não entender pode não ter fronteiras.
Sinto que sou muito mais completa quando não entendo.
Não entender, do modo como falo, é um dom.
Não entender, mas não como um simples de espírito.
O bom é ser inteligente e não entender.
É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida.
É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice.
Só que de vez em quando vem a inquietação:
quero entender um pouco.
Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

quinta-feira, janeiro 22, 2009

UMA ILHA

Ilha

Deitada és uma ilha E raramente
surgem ilhas no mar tão alongadas
com tão prometedoras enseadas
um só bosque no meio florescente

promontórios a pique e de repente
na luz de duas gémeas madrugadas
o fulgor das colinas acordadas
o pasmo da planície adolescente

Deitada és uma ilha Que percorro
descobrindo-lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro

ou se te mostro só que me inebrias
Amiga amor amante amada eu morro
da vida que me dás todos os dias

David Mourão-Ferreira

terça-feira, janeiro 13, 2009

MEMÓRIA


Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, janeiro 07, 2009

RUNAWAY

Nada sobressai tanto, nem permanece tão firmemente fixo na memória, como algo em que tenhamos falhado.
Cícero

Rosas

Rosas
Especialmente para ti, amigo visitante

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