terça-feira, novembro 30, 2010

ESPERANÇA




Tantas formas revestes, e nenhuma
Me satisfaz!
Vens às vezes no amor, e quase te acredito.
Mas todo o amor é um grito
Desesperado
Que apenas ouve o eco...
Peco
Por absurdo humano:
Quero não sei que cálice profano
Cheio de um vinho herético e sagrado.


Miguel Torga, in 'Penas do Purgatório'

domingo, novembro 21, 2010

QUANDO OS PEIXES ERAM VERDES

Relendo e revivendo EUGÉNIO DE ANDRADE

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.

Gastámos tudo menos o silêncio,
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
Gastámos as mãos à força de as apertarmos,
Gastámos o relógio e as paredes das esquinas
em esperas inúteis.


Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tinhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava, mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes
e eu acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.


Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.


Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.


Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inutil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Poema  ADEUS
de Eugénio de Andrade

Imagem encontrada na net

sexta-feira, novembro 12, 2010

BRANCURA





Compreendo que não tenhas tremido quando a tua mão

deslizou pela página, deixando as linhas em branco. Nada do que

não escreveste está errado; nem o nada que leio, linha a linha, me

obriga a corrigir o que quer que seja. Nem riscos a vermelho,

nem notas à margem: o branco obriga ao branco e de uma ponta

à outra é este branco que eu tenho pela frente, sem nada para

ver além das próprias linhas azuis como linhas de horizonte

nesse mar que é a tua cabeça vazia. Mas obrigas-me a partir

para dentro dele, com o batiscafo das profundezas, em busca

do que se esconde sob o teu branco. Talvez fosse melhor olhar-te

nos olhos e descobrir no centro da íris esse espaço, a que uns

chamam o abismo de si, onde se decide o que há para fazer

quando o papel está vazio, e só a mão que escreve pode fazer

alguma coisa para transpor as linhas que se abrem, rectas

e azuis, pela frente do que não sabes. E entregas a decisão ao nada,

o que talvez seja a mais sábia das decisões para quem está perante

o que não escreveste, sem saber ao certo se o branco pode ser uma

resposta ao que te perguntaram, ou se és tu que transformaste

em nada tudo o que aprendeste. Desço, assim, ao fundo do mar, por entre

as linhas que deixaste em branco, para me esquecer de tudo o que sei.




De Nuno Júdice

EXAME EM BRANCO
in A matéria do poema

Imagem encontrada aqui
marimauraraiodeluz.blogspot.com

quinta-feira, novembro 04, 2010

AMANHÃ

Amanhã

o amor virá ao meu encontro
exuberante de paixão
e de desejos incontidos.
Chegará com a aurora
envolto em sua rubra cor
e ao tocar-me o coração
o dia romperá, numa explosão,
mostrando todo o seu esplendor!

Gritarei teu nome
sobre a terra frágil
e lumes se acenderão
trespassando o espaço
que até então nos separara.
Tu virás com teus olhos mudos
e  teus braços abertos
e me prenderás no teu abraço.

Mil aves enfeitarão os céus
resplandecendo sob a luz do sol
e as palavras brotarão em nós
como murmúrios renascidos
que subirão de tom
como asas que se abrem
para o seu primeiro voo,
impulsionadas por melodioso som.

Imagem colhida na net

Rosas

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